Por Maria Carolina Andrada
No verão passado, participei de um
evento de passeios de helicóptero em um aeroporto. Haviam três de nós
nos helicópteros Robinson R44, todos saindo da mesma pista, que era
bastante pequena, e rodeados pelos três lados por aeronaves estacionadas
e observadores. Cronometramos os nossos voos para que apenas um de nós
ficasse em solo de cada vez, compartilhando uma tripulação de 3 pessoas
em solo que incluía dois carregadores. É isso mesmo, fizemos
carregamento com o helicóptero em operação. (As técnicas de segurança
para a realização deste procedimento ficarão para um outro artigo
totalmente diferente.) A pista de pouso estava protegida, portanto não
precisamos nos preocupar com as pessoas circulando no nosso percurso de
voo ou atrás de helicópteros estacionados.
A pista de pouso abria-se para a pista
de taxiamento do aeroporto, então havia um percurso de partida perfeito
para as decolagens, bem no estilo dos manuais: 1.5 – 3 metros do solo a
45 nós e inclinação longitudional a 60. Tratava-se de uma configuração
quase que ideal para passeios e, de fato, fizemos vários.
No entanto, um dos pilotos estava
consultando uma página diferente do manual: aquela que fala sobre
decolagens de máximo desempenho. Ao invés de voltar para a pista de
taxiamento e operar a partida sobre ela, ele deu uma arrancada na
inclinação longitudional diretamente sobre a pista de pouso e decolou em
direção à pista de taxiamento, sobrevoando as aeronaves estacionadas e
alguns observadores. Toda vez que ele fazia isto, ele subia um pouco
mais alto antes de partir.
Eu estava a caminho toda vez que ele
partia e presenciei esta situação pelo menos quatro vezes, até que lhe
pedi para parar. (Eu era o ponto de contato do evento, portanto era o
encarregado disto.) A sua resposta imediata pelo rádio foi um simples
“Tudo bem”. Mas, depois, ele voltou e perguntou por que não poderia
fazer uma decolagem de máximo desempenho.
Não acreditei que ele não conseguia
compreender que o que estava fazendo não era uma boa ideia. A rádio
estava ocupada e fui breve: “Porque não há motivo para fazê-la.”
O Objetivo
O capítulo Manobras de Voo Avançadas do Manual de Voo do Helicóptero [Helicoper Flying Handbook] da Administração Federal de Aviação (FAA) dos EUA (FAA-H-8083-21A; baixe gratuitamente em FAA) descreve a decolagem de máximo desempenho da seguinte maneira:
A decolagem de
máximo desempenho é usada para elevar o helicóptero a um ângulo
acentuado para remover as barreiras da rota aérea. Ela pode ser usada
quando a decolagem ocorrer em áreas pequenas rodeadas de obstáculos
altos. Ela serve para a decolagem vertical quando há dúvidas sobre o
espaço livre da área, embora esta não seja sempre a mais adequada. Antes
de tentar uma decolagem de máximo desempenho, é preciso saber muito bem
os recursos e as limitações dos equipamentos. Também leve em conta a
velocidade do vento, a temperatura, a altitude de densidade, o peso
bruto, o centro da gravidade (CG) e outros fatores que afetam as
técnicas do piloto e o desempenho do helicóptero.
Este tipo de decolagem possui um
objetivo específico: remover as barreiras nas rotas aéreas. O piloto
pode fazer uso dela quando estiver partindo de uma pista de pouso
limitada ou se as condições do vento de cauda e de carregamento
afastarem os obstáculos perigosos da operação de partida.
Os Riscos
Esta é uma manobra “avançada” não só
porque ela exige mais habilidade do que uma decolagem normal, mas também
porque ela coloca riscos adicionais. O Manual de Voo do Helicóptero ainda diz:
Em condições de
vento leve ou sem vento, pode ser necessário operar nas áreas sombreadas
do diagrama altura/velocidade durante o início da manobra. Portanto,
fique atento ao risco calculado quando estiver operando nestas áreas.
Uma falha no motor com velocidade aerodinâmica e altitude baixas pode
colocar o helicóptero em uma situação perigosa, demandando um alto grau
de habilidade para operar um pouso autorotativo com segurança.
E este era o meu problema. O piloto
havia decidido operar deliberadamente e sem necessidade na área
sombreada do diagrama altura/velocidade com passageiros a bordo e sobre
uma área do aeroporto cheia de aeronaves e observadores.
Ver o que ele estava fazendo
automaticamente colocava o meu cérebro a pensar “e se…”. Se acontecesse
do motor falhar com o helicóptero a 15 – 21 metros do solo com
praticamente nenhuma velocidade aerodinâmica para frente, esse
helicóptero cairia direto no chão, provavelmente matando todos a bordo.
Como as partes móveis caem soltas, elas voariam pelo ar, batendo na
aeronave e nas pessoas. Haviam facilmente mais de 1.000 pessoas no
evento, inclusive muitas crianças. A minha imaginação visualizou uma
cena de pós-acidente horrível.
Quais eram as chances de uma coisa deste
tipo acontecer? Na verdade, poucas. São raras as falhas de motor nos
helicópteros Robinson.
Mas, os riscos inerentes a este tipo de
decolagem excedem os riscos associados a uma decolagem normal que mantêm
o helicóptero fora da área sombreada do diagrama altura/velocidade.
Então, por que correr riscos?
Só Porque Você Pode Não Significa Que Você Deve
Tudo isto leva a uma das coisas mais importantes que temos que considerar quando estamos voando: discernimento.
Eu sei o porquê do piloto fazer as
decolagens de máximo desempenho: ele estava fazendo uma espécie de show
para os observadores. Todo mundo acha helicóptero uma coisa legal e todo
mundo quer ver os helicópteros fazendo algo que os aviões não podem
fazer. Voar diretamente para cima é um bom exemplo disto. Este piloto
resolveu dar uma demonstração aos observadores.
Não há nada de errado em um piloto
experiente querer exibir as capacidades de um helicóptero, mas será que
isto deveria ser feito com passageiros a bordo? Em uma área cheia de
gente? Ao executar uma manobra que coloca o helicóptero em um regime de
voo, nós aprendemos a evitar?
Um piloto responsável diria que não.
Um artigo de setembro de 1999 de Robert N. Rossier publicado na revista Flight Training da
Associação de Pilotos e Proprietários de Aeronaves (AOPA) discute “As
Atitudes Perigosas”. Nele, o autor descreve a chamada atitude viril.
Ele diz:
No extremo do
espectro, as pessoas com uma atitude viril e perigosa sentirão uma
necessidade de comprovar constantemente que são melhores pilotos que
outros e aproveitarão chances insensatas para demonstrarem a sua
capacidade superior.
Será que o desejo deste piloto de
exibir-se em frente aos espectadores é um sintoma de uma atitude viril?
Será que isto afetou o seu discernimento? Acho que é um sintoma, sim, e
acho que afetou seu discernimento.
Os helicópteros podem desempenhar uma
ampla gama de manobras que são simplesmente impossíveis para outras
aeronaves. Como pilotos de helicóptero, muitas vezes nos sentimos
tentados a nos exibir aos outros. Mas, um piloto responsável sabe
ignorar a tentação e usar o bom discernimento quando voa. Esta é a
melhor forma de ficar seguro.
Fonte: AOPA Hover Power/ Piloto Policial
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