terça-feira, 12 de abril de 2016

O que é falso e o que é verdadeiro no debate sobre o acidente no Campo de Marte

Esclarecemos 11 questões cruciais sobre a queda fatal do experimental Comp Air 9 com sete ocupantes a bordo, que provocou muitas declarações desinformadas. O avião pertencia ao ex-presidente da vale, Roger Agnelli, que perdeu a vida no desastre.




1)      O experimental é um protótipo em fase de testes, uma aeronave inacabada.  

FALSO Ele pode ser um protótipo, como é o caso do novo jato Embraer E190-E2, recém-apresentado, que vai passar por um longo processo de testes antes de receber a chamada certificação de tipo. Até lá, o avião será um experimental. Mas existem aeronaves com certificado de autorização de voo experimental, conforme estabelece o RBAC 21. São projetos de aeronaves submetidos, sim, a um processo de testes e desenvolvimento, que só chegam ao mercado depois de estarem prontas. A diferença é que esses programas não têm o mesmo rigor dos processos padronizados de certificação – que envolvem investimentos muito altos –, justamente por serem voltados para uso pessoal e esportivo, ou seja, por conta e risco do proprietário.

2)      O experimental é um avião de brinquedo e inseguro.

FALSO Apesar de não passar por um processo convencional de certificação, os kits de aeronaves experimentais cumprem as melhores práticas industriais, tanto na fabricação de peças e partes quanto em seus processos de montagem. As empresas que fornecem e montam os kits adotam processos de controle de qualidade dentro de padrões aeronáuticos. Não por acaso a aviação experimental empresta muitas de suas soluções para grandes fabricantes, como Airbus e Boeing. Além disso, o registro da aeronave pelas autoridades depende do aval técnico de um engenheiro aeronáutico.

3)      O experimental é qualquer aeronave sem certificação padronizada.

VERDADEIRO A aeronave com certificado de autorização para voo experimental é aquela que não se enquadra entre as que receberam certificação de tipo, padronizada. Segundo o regulamento da Anac, estes certificados são emitidos para diferentes propósitos, desde pesquisa e desenvolvimento de uma aeronave que será certificada (caso do Embraer), passando por competições de voo (como acrobacias), até operação de aeronave de construção amadora (feitos em casa), ultraleves cujos kits são montados no Brasil por fabricantes autorizados (a maioria dos existentes em aeroclubes país afora) e os recentes LSA (sigla em inglês para aeronaves leves esportivas, ou ALE). O mercado de aeronaves experimentais evoluiu muito nas últimas décadas e incorporou tecnologias presentes nos mais sofisticados aviões e helicópteros produzidos pela indústria, como é o caso de materiais compostos, soluções aerodinâmicas e painéis digitais. Justamente por isso passou a ser adotado por muitos operadores não só para o desporto, mas, também, para o transporte aéreo pessoal. Diante das mudanças, existe hoje uma discussão (no mundo todo) sobre a regulamentação dos experimentais. No Brasil, um dos grandes avanços em discussão são os certificados para aeronaves leves esportivas (ALE), para duas pessoas, que exigem um processo padronizado, que prevê projeto, ensaio e aprovação de acordo com uma norma consensual (as normas ASTM). Além disso, desde 2012, existe um projeto chamado IBR 2020 que pretende organizar o registro de experimentais e criar condições para que alguns inúmeros fabricantes nacionais dessa categoria desenvolvam projetos com certificação de tipo.

4)      Os experimentais representam cerca de 25% da frota de aviões leves do Brasil.

VERDADEIRO Existem mais de 5.000 aeronaves experimentais registradas pela Anac, cerca de um quarto da frota de aeronaves leves do país. Além disso, o Brasil conta com mais de uma dezena de montadores e pequenos fabricantes de aeronaves, alguns deles dispostos a desenvolver seu primeiro avião certificado. Por dispensar os processos convencionais de certificação, os experimentais, sobretudo os de dois e quatro lugares, tornaram-se acessíveis para muita gente que jamais compraria um avião em outras circunstâncias. A partir da década de 1990, a evolução tecnológica permitiu o desenvolvimento de aeronaves cada vez mais sofisticadas e seguras.

5)      Aeronaves experimentais não podem sobrevoar áreas densamente povoada nem compartilhar o espaço aéreo com aviões e helicópteros homologados.

VERDADEIRO Ao solicitar o certificado à Anac, o operador pode pedir autorização para voar com um experimental em áreas densamente povoadas e aerovias movimentadas. Caberá à autoridade avaliar. A rigor, porém, o regulamento (RBAH 91) proíbe a operação de experimentais em espaços com muito tráfego aéreo e sobre regiões com elevada concentração populacional. Mas a norma dá margem para diferentes interpretações, o que fez com que as autoridades (Anac e Decea) nunca tenham, de fato, aplicado essa determinação de modo homogêneo - tanto que autorizam planos de voo de experimentais que operam no Campo de Marte. Fica a dúvida, por exemplo, se as operações de pouso e decolagem em aeroportos próximos a pequenas cidades do interior caracterizaria sobrevoo de área densamente povoada. Na prática, prevalece o bom senso dos pilotos, que são instruídos a operar considerando sempre opções de pouso no caso de falhas catastróficas, buscando salvar não só a aeronave e seus ocupantes como também edificações e pessoas em solo.

6)      O avião que caiu nos arredores do Campo de Marte não poderia servir para o transporte de um executivo e sua família.

FALSO As pessoas têm o direito de escolher o avião que querem utilizar, desde que cumpram as normas de segurança, ponto pacífico. Ademais, conforme destaca a APPA (Associação de Pilotos e Proprietários de Aeronaves) em nota, o Comp Air 9 prefixo PR-ZRA, modelo montado nos Estados Unidos, segundo as regras daquele país e suas autoridades aeronáuticas, é um avião de asa alta, equipado com um motor turbo-hélice com 1.000 shp, produzido pela Honeywell, e hélice fabricada pela Hartzell, com 5 pás, de velocidade constante. Ou seja, são fornecedores de primeira linha, que equipam outras dezenas de aeronaves não homologadas e homologadas, em todo o mundo, há décadas. “O Comp Air 9 é capaz de voar a 250 kts (aproximadamente 500 km/h), com alcance de até 1,500 milhas náuticas (quase 3.000 km), podendo transportar 7 passageiros. Conta com aviônicos de última geração, é capaz de voar alto, rápido, longe e, dentro dos seus parâmetros para os quais foi projetada, em segurança. O Comp Air 9 não é exemplo único, nem o mais sofisticado”. De acordo com a Anac, outro Comp Air 9 está registrado no Brasil.

7)      Apenas experimentais não têm caixa preta.

FALSO A caixa preta é prevista somente para aeronaves de maior porte. A exigência de colocação de sistema de coleta de dados, sensores e rede de distribuição de informações em aeronaves de pequeno porte simplesmente inviabilizaria o projeto, seria um empecilho, principalmente por questões de custo. Segundo a norma (RBAH 21), há exigência de gravadores de voo apenas em aeronaves com dois motores a turbina para seis ou mais ocupantes. Ou seja, há aviões e helicópteros certificados sem caixa preta. Ademais, a investigação de um acidente não depende exclusivamente das gravações, elas apenas fornecem mais elementos para se descobrir o que aconteceu.

8)      O Campo de Marte tem de sair de São Paulo por ser incompatível com áreas densamente povoadas.

FALSO O Campo de Marte cumpre os requisitos para operar, conforme RBAC 153 e 154, que tratam de infraestrutura aeroportuária. Ou seja, é um aeroporto viável. Mas a discussão é da sociedade. E a pergunta é: vale a pena fechar uma pista estratégica para a aviação geral para construir mais prédios numa cidade já congestionada? Fechar o Campo de Marte significa acabar com uma importante estrutura de formação de pilotos, tanto de asa fixa quanto asa rotativa, que serão os comandantes do futuro. Significa também acabar com o principal hub de aviação leve do país, já que o Campo de Marte interliga São Paulo a centenas de municípios que não são servidos pela aviação regular. São localidades que dependem de voos com aviões de pequeno porte para o fomento de seus negócios. Com as restrições impostas por Guarulhos e Congonhas, o Campo de Marte se tornou um aliado importante dos operadores, como Jacarepaguá, no Rio de Janeiro. Finalmente, existem nos arredores do Campo de Marte áreas de escape que um piloto pode considerar em uma situação de emergência.

9)      As autoridades aeronáuticas não são obrigadas a investigar acidentes com aeronaves experimentais.

VERDADEIRO Cabe à Polícia Civil investigar acidentes com aeronaves de pequeno porte, sobretudo experimentais. Mas o Cenipa pode decidir investigar se achar necessário. Especialistas ouvidos por AERO Magazine defendem que se investigue todo e qualquer acidente aeronáutico, talvez estabelecendo uma parceria entre os militares do Cenipa e organizações civis, com objetivo de melhorar os processos e aumentar a segurança de voo. Para eles, o momento é oportuno para uma mudança.

10)   As falhas de aeronaves são as principais responsáveis por acidentes entre os experimentais.

FALSO Não há estatísticas oficiais sobre os acidentes da aviação experimental, mas é possível considerar que a maior parte dos desastres tem como principal fator contribuinte aspectos humanos, como acontece na aviação certificada. No caso específico do acidente com o Comp Air 9, que pertencia ao ex-presidente da Vale, Roger Agnelli, e tinha como representante a Fiber Prop, do interior de São Paulo, é prematuro fazer quaisquer afirmações. A documentação tanto do piloto quanto da aeronave estava em ordem. Se houve questões associadas ao desbalanceamento do peso, ou excesso dele num dia de calor, à meteorologia, considerando mudanças de vento, só as investigações poderão concluir.


11)   O acidente com o avião de Roger Agnelli serve de argumento contra o uso de asas fixas no Campo de Marte. 

FALSO Não seria honesto deixar que a comoção causada pela tragédia crie condições para o uso de alegações falsas como base para o movimento que atende à especulação imobiliária na área onde hoje está o Campo de Marte.

Fonte: aeromagazine.uol.com.br

Nenhum comentário:

Postar um comentário

Observação: somente um membro deste blog pode postar um comentário.