sexta-feira, 4 de novembro de 2016

AVIAÇAO EXPERIMENTAL X CONSTRUÇAO AMADORA


Por Gustavo Albrecht

Tendo em vista esta “campanha” da mídia contra nossa aviação experimental, vou colocar aqui um pouco da história e do que penso a respeito pois a Globo no seu Programa  O Fantástico, editou e deixou sem nexo o que lhes falei...

COMO COMEÇOU

A aviação começou experimental e assim continuou por décadas...os primeiros aviões usados para transporte não sofreram nenhum processo de homologação...
Este processo somente foi criado com a criação da ICAO e com o objetivo de “padronizar’ aeronaves, aeroportos, licenças de pilotagem e procedimentos...

Nesta época passaram a existir duas categorias de aeronaves...as homologadas e as experimentais...nesta última categoria colocaram os protótipos construídos com a finalidade de ser testados e homologados para produção em série, e os construídos por amadores.

Na primeira legislação escrita pela FAA sobre “Construção Amadora” constava, na introdução: com o objetivo de proteger a indústria homologada, os construtores amadores poderão vender, no máximo, duas aeronaves por ano e três num período de cinco anos...o construtor deverá realizar mais de 51% da construção...No Brasil, copiamos (o CTA) esta legislação, inclusive estas duas cláusulas que, por anos, protegeu a indústria homologada dos EUA, já que aqui não tínhamos fabricas de aviões leves e esportivos.

Os Construtores Amadores desenhavam suas próprias aeronaves e daí surgiu esta infinidade de modelos hoje existentes...mais tarde, passaram a construir suas aeronaves a partir de “plantas” de aeronaves que já haviam comprovado suas boas qualidades de voo...pagava-se para usar tais projetos....

Para facilitar a vida dos construtores amadores surgiram empresas, nos EUA, que vendiam partes prontas...assim o construtor ganhava tempo pois não tinha que usinar um trem de pouso...não tinha que soldar um berço de motor, não tinha necessidade de moldar um para-brisas, etc.

NA DÉCADA DE 80
Com o advento do ultraleve surgiram no Brasil os primeiros KITS de aeronaves...pelo que me lembro foram os Quick Silvers trazidos pelos fundadores da Microleve...
Nossa legislação, copiada do americano do Norte, também exigia que 51 % da construção fosse feita pelo proprietário...e o CTA cobrava isto dos construtores...
O DAC, constatando o nível de conhecimento técnico das pessoas interessadas em voar ultraleves...dialogando com os introdutores da aviação ultraleve, concluiu que, em prol da SEGURANÇA DE VOO, seria muito mais razoável permitir que alguém, detentor de ferramentas e conhecimentos técnicos, montasse e testasse cada aeronave antes de entrega-la ao desportista....e assim foi autorizado.

Os “puristas” do CTA não aceitavam isto mas o DAC era a organização responsável...o CTA homologava aeronaves por “delegação” do DAC e, por “similaridade” também fiscalizava a Aviação Experimental...
Cumpre aqui discorrer sobre o que era um processo de construção de uma aeronave até a década de 80...
O interessado devia “abrir um Processo H-3” junto ao CTA...era assim que a legislação chamava um processo de construção...devia apresentar neste momento todo o projeto ( plantas, lista de materiais que seriam utilizados, expectativa de performance, etc).
O CTA abria o Processo e marcava uma data para a primeira “visita técnica” na qual faria a “vistoria do material”...não raro esta “visita” demorava um ano para ocorrer...no CTA havia apenas dois Engenheiros que se ocupavam disto...

Após a vistoria do material o interessado podia iniciar a construção e deveria avisar ao CTA quando a aeronave estivesse na fase de “fechar” as partes ( entelar ou colar contraplacado ou rebitar as chapas), de modo que os Engenheiros pudessem inspecionar a estrutura das asas, superfícies de comando e fuzelagem. La se ia mais um grande período de espera pela disponibilidade de Engenheiro para a Segunda Visita Técnica...

Aprovada na vistoria a aeronave poderia ser concluída e a terceira visita seria após “virar o motor”...o que acontecia uns seis meses depois de solicitada a visita.

Por baixo, por mais rápido que fosse o trabalho de construção ou mais simples fosse a aeronave, eram necessários uns três anos para se voar uma aeronave deste tipo.

Na Divisão de Aerodesporto do DAC eram concentradas as reclamações sobre o CTA...e o DAC reagiu tirando do CTA a condução dos processos de construção de experimentais...contratou três Engenheiros para agilizar os processos...mas, como bom órgão público, os Engenheiros Galhart, Tabacnick e Cristian Amaral foram relocados para a Divisão  de Aeronaves e Manutenção que estava com deficiência de pessoal, e tudo voltou ao que era...

A saída então foi credenciar Engenheiros Aeronáuticos para realizarem o acompanhamento da construção, realização das vistorias e emissão do Laudo de Vistoria Final. Isto era legalizado com um “Termo de Responsabilidade” que o Engenheiro assinava e que fazia parte do processo.

Para aeronaves de projeto inédito, era designada uma “área de testes” que deveria localizar-se sobre um terreno desabitado...lá eram  realizados os voos iniciais ( 50 horas)...somente o piloto designado pelo construtor podia voar e, ao final desta fase, o piloto deveria apresentar um relatório declarando que a  Aeronave não havia apresentado nenhuma característica de voo indesejável dentro do “envelope” testado...( velocidades, pesos e força G)...
Construção de modelos para os quais  alguma aeronave já havia sido construída, dispensava-se estes voos iniciais, tendo em vista que uma aeronave já provara em voo que o projeto era bom e  a aeronave não apresentava características de voo indesejáveis.

Com a autorização para que as empresas que comercializavam aeronaves ultraleves as entregassem montadas e testadas em voo, tivemos a implantação desta aviação desportiva realizada com muita segurança....não temos o registro de todos os acidentes mas, para aqueles que ocorreram e tivemos conhecimento, raros tiveram como  fator contribuinte a aeronave...tanto por seu desenho quanto por sua construção...

Na década de 80 tínhamos alguns incidentes com os ultraleves recém chegados...seus motores Cuyunna e Kawazáki, adaptados de “snowmobil”, estranharam o calor da região tropical e se recusavam a funcionar por muito tempo...não raro voltava apenas a metade dos que decolavam para uma revoada...nesta época  a ROTAX iniciou a produção de um motor projetado para ser usado  em aeronaves ultraleve e este panorama mudou...desde que a manutenção fosse adequada os motores ficaram confiáveis.

Muitos, talvez a maioria dos aviões experimentais, utilizam motor e hélice homologados, que durante sua vida são submetidos às revisões previstas por seus fabricantes...bem diferente dos primórdios  da aviação quando motores e hélices também eram experimentais...e que, certamente, deram origem a uma das “clausulas de exceção” ditadas para os aviões experimentais: proibição de sobrevoar áreas densamente povoadas...

A outra “cláusula de exceção”, proibição de uso comercial e de venda em condições de voo,  eu já citei a origem: primeira legislação da FAA com o objetivo de proteger a indústria homologada nos EUA.
Falou-se muito ultimamente no número de acidentes e mortes com aeronaves experimentais... 41 acidentes com 19 mortes nos dois últimos anos...considerando-se que as 5.158 aeronaves experimentais registradas na ANAC representam 25% da frota brasileira, e que destes acidentes pouquíssimos tiveram como fator contribuinte a “falha material”,  nossa aviação está bem melhor do que a da maioria das demais nações.

Praticamente todos foram causados por outras falhas que não a material...nas poucas exceções, ainda tiveram como fator contribuinte a “deficiente manutenção”, ou seja...o fator humano foi contribuinte...
A definição de Aeronave Experimental que está no Código Brasileiro de Aeronáutica-CBAer, não está correta...Aeronave construída por amador para seu uso no esporte ou laser, é a definição de “Aeronave de Construção Amadora”...EXPERIMENTAIS são aeronaves que não foram submetidas a um processo formal de homologação...e ai podem ser incluídas: as anv de Construção Amadora, as aeronaves homologadas que sofreram modificações e não foram submetidas a um processo de Certificação Suplementar de Tipo-CHST, as anv militares após retiradas do “serviço ativo” e matriculadas na aviação civil, os protótipos de projetos submetidos a um processo de homologação, etc

Eu voo avião experimental ha muitos anos...desde 2007 voo aeronave da VANS...tive um RV6, PT-ZAX, com o qual voei 800hs...troquei por um RV7. PT-ZPG, com o qual já voei 600 hs...estou trocando por outro RV7, PT-ZGH com o qual espero voar até onde a saúde permitir...
Jamais tive qualquer problema com estas aeronaves, apesar de ambas serem experimentais...mas sempre cuidei da manutenção ( revisão de célula, motor e hélice) , segundo recomendações dos seus fabricantes....

Com o RV7 já cruzei a Amazônia até Boa Vista, cruzei o Caribe e fui até Tampa no Oeste da Flórida.
Fui e voltei e tive apenas uma troca de alternador...em compensação o RV10 do JJ e da Lia, também um experimental que me acompanhou, não teve nenhum problema.
Uma coisa eu afirmo: tenho absoluta confiança em voar anv experimentais montadas por empresas...são profissionais e montam muitas aeronaves mensalmente...com certeza muito mais seguras do que as que seriam montadas pelos seus proprietários... eu jamais voaria numa aeronave que eu construísse, mesmo se fosse montada a partir de um kit.

O ACIDENTE DO CA-8
Não é correto dar “palpites” sobre um acidente que ainda está sob investigação... mas algumas coisas podem ser ditas... e importante dizer que, das hipóteses levantadas como “possíveis” para este acidente, nenhuma diz respeito à condição de EXPERIMENTAL da aeronave...senão vejamos:

-Devido à lotação da aeronave e o fato de estarem vindo para uma festa, o bagageiro poderia estar com excesso de peso...
Acho que esta aeronave é “overpowered” e, se o CG estivesse realmente muito atrás ela não teria voado o tanto quanto voou...

-Desbalanceamento do combustível...talvez porque o Learjet que acidentou-se em situação semelhante tenha tido este problema...nao creio que o CA-9 seja tão crítico neste aspecto...mas é “achismo” pois não li seu Manual e o Air Comp que voei não era turbo hélice nem era de composite ... acho que era o Air Comp 7...

-Parada do motor...pode ser...mas se trata de um motor homologado...pararia da mesma forma se o avião fosse homologado...

As dúvidas:

-porque saiu para a direita ? ali tem um morro...se fosse seguida a doutrina “pane da decolagem pouse em frente” poderia ter sido  melhor do que o que foi feito...

-pelo exame do local e destroços, se conclui que ele desceu na vertical, praticamente, ou seja , estolado...hélices de mais de duas pás criam muito arrasto quando em “molinete”, e necessitam ser embandeiradas de imediato, após uma parada de motor...do contrário o nariz deverá ser baixado acentuadamente para evitar um estol...

-rumores dizem que o proprietário da anv gostava de ele mesmo pilotá-la, embora não fosse habilitado como piloto...isto poderia justificar duas coisas...saída para a direita e demora no ato de trocar o passo da hélice...

NOSSA LEGISLAÇAO
Se a ANAC tivesse entre seus objetivos...”promover e incentivar a aviação civil” brasileira, repensaria as modificações que está fazendo na nossa legislação.
A estatística está ai a mostrar...25% da frota nacional é composta pelos aviões experimentais...ou seja...a legislação da forma como ficou, autorizando a montagem de kits por empresas, mostrou ter sido um grande incentivo ao aumento da frota...basta que sejam tornadas de conhecimento público as diferenças entre anv experimentais e homologadas...

Não temos uma “indústria “ de aviões de pequeno porte homologados a proteger...temos que incentivar as empresas que montam kits a aprimorarem os processos e garantir a qualidade...o mercado se encarrega de eliminar  aquelas que não produzem bons produtos...

A própria ANAC divulga que os índices de SEGURANÇA da nossa aviação está entre os melhores do mundo...e neste “índice” está incluída a Aviação Experimental...
Porque mudar uma legislação???? se a existente promoveu o desenvolvimento e aumentou a segurança????
Quem não confiar neste processo, que compre aviões homologados...

Na realidade, importam mais os critérios usados na manutenção das aeronaves do que o fato dela ser homologada ou experimental...o que se deve incentivar é o uso de hélices e motores homologados e a manutenção ser feita conforme recomendada pelos fabricantes.

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