quarta-feira, 25 de setembro de 2013

PERIGO NOS CÉUS

O desrespeito às normas técnicas da aviação tem levado a um grande aumento no número de acidentes aéreos no Brasil. Nos últimos oito anos, foram registrados 952 acidentes, com 846 mortos. De 2006, quando ocorreram 70 acidentes, para o ano passado, com o registro de 181 acidentes, o aumento foi de 158%. Somente nos sete primeiros meses deste ano, já aconteceram 103 acidentes com 42 mortos. O registro oficial é de um acidente aéreo a cada dois dias no país. O número de aviões, incluindo helicópteros e jatinhos particulares, aumentou no período 31,17% (de 10.646 aeronaves em 2006 para 13.965 em 2012), tornando o Brasil detentor da segunda maior frota mundial, somente atrás dos Estados Unidos, o que torna o setor também mais exposto a desastres.

Segundo o comandante do Centro de Investigação e Prevenção de Acidentes Aeronáuticos (Cenipa), brigadeiro Luis Roberto do Carmo Lourenço, o grande aumento no número de acidentes acontece no segmento de aviões particulares e jatinhos das empresas de táxis aéreos, pois, no setor da aviação comercial com as empresas de grande porte, o Brasil registra número de acidentes abaixo do que ocorre no primeiro mundo. Para cada milhão de decolagens, o Brasil sofre 1,9 acidente, enquanto nos países desenvolvidos a média é de 3,2 acidentes por um milhão de decolagens.

As grandes empresas brasileiras, como Gol e TAM, não sofrem acidentes há seis anos. O último grande acidente da Gol foi em 2006, quando uma aeronave chocou-se com o jatinho Legacy no Mato Grosso, matando 154 pessoas. Com a TAM, o último acidente aconteceu em 2007, quando um avião saiu da pista em Congonhas, matando 199 pessoas. De lá para cá, são os jatinhos e helicópteros que engrossam as estatísticas de acidentes e mortes.

O aumento no número de acidentes na aviação brasileira foi divulgado em seminário promovido pelo Cenipa este ano em São Paulo. Segundo o brigadeiro Lourenço, do Cenipa — o órgão do Ministério da Aeronáutica que investiga causas de acidentes aéreos e emite as normas de prevenção aos acidentes —, em torno de 35% dos desastres dos últimos anos foram provocados pela “violação das leis e normas da aviação”.

— Não somente o Cenipa, mas todos que estão ligados à aviação têm que trabalhar ainda mais para que os acidentes diminuam — disse Lourenço no congresso; nele, os técnicos concluíram que o “fator humano” (erro de pilotos, das companhias aéreas ou dos órgãos oficiais que controlam a aviação) está presente em 90% dos acidentes.

Mas a Associação Brasileira de Táxis Aéreos (Abtaer) se defende e diz que já havia alertado o governo de que o número de acidentes aumentaria, em função da ineficiência de vários órgãos e da falta de fiscalização no setor num período em que o número de passageiros transportados subiu vertiginosamente. O comandante Milton Arantes Costa, presidente da Abtaer, diz que já havia identificado a tendência de aumento no número de acidentes em função do grande aumento na frota de aeronaves, em contraponto à queda na infraestrutura do setor e à insegurança nos aeroportos:

— Há três anos, procuramos o então ministro da Defesa, Nelson Jobim, para relatar que o aumento nos acidentes poderia ocorrer pela ineficiência de alguns órgãos públicos, como a Anac (Agência Nacional de Aviação Civil), além da flagrante falta de fiscalização. Até porque, falta cultura de treinamento para as grandes empresas de linhas comerciais.

De acordo com o presidente da Abtaer, o aumento no número de acidentes com jatinhos de empresários tem engrossado as estatísticas:

— O empresário usa o avião particular mas para reduzir os custos de manutenção, acaba alugando o jatinho como táxi aéreo, muitas vezes sem seguir as normas da aviação comercial, o que provoca acidentes e mortes.

O comandante do Cenipa entende que os usuários da aviação de pequeno porte não devem se alarmar:

— Essa elevação no número de acidentes aconteceu em 2011 e 2012, muito por conta do aumento das horas voadas no Brasil, que cresceu em 15%. Como 90% dos desastres foram por falha humana, se pilotos e empresas cumprissem as normas da avião e as regras da Aeronáutica, poderíamos diminuir muito esse índice.

Segundo Roberto Peterka, perito em aviação civil, o número de acidentes com jatinhos tem aumentando por conta da falta de fiscalização dos voos:

— Desde a criação da Anac, houve um vácuo na prevenção e fiscalização às empresas de táxi aéreo, que sempre foram da alçada do Cenipa.

A presidente da Associação Brasileira de Parentes e Amigos das Vítimas de Acidentes Aéreos, Sandra Assali, aponta a falta de estrutura nos aeroportos:

— Apesar do aumento expressivo de voos nos últimos anos, os aeroportos não aumentaram a estrutura para receber as aeronaves. É comum um avião ficar sobrevoando em círculos por dez a 15 minutos antes de aterrizar e isso aumenta o risco de acidentes. Outro fator é a falta de gente na Anac para fiscalizar tantos voos. Antes, a Anac ainda tinha o pessoal da FAB para lhe auxiliar, o que não existe mais atualmente — disse Sandra, que perdeu o marido no acidente com o Fokker 100 da TAM em 1996.

Em nota, a Anac diz que a aviação brasileira hoje é uma das mais seguras do mundo: “Pode-se afirmar que voar no Brasil é cada dia mais seguro. Nossas empresas aéreas são exemplos de operação de acordo com as melhores práticas internacionais, sendo assim reconhecidas pela Associação Internacional de Transporte Aéreo”.

A Anac destaca que “os números divulgados pelo Cenipa incluem acidentes com aviação geral e regular. Ao analisarmos os acidentes, em comparação ao crescimento expressivo do setor (número de movimentos, decolagens, frota, licenças emitidas etc.), depreende-se que a segurança do transporte aéreo, especialmente na aviação regular, vem atingindo índices melhores ao longo dos últimos anos”.

A agência defende a qualidade dos pilotos brasileiros: “Os requisitos exigidos dos pilotos no país estão em absoluta consonância com os padrões internacionais preconizados pela Organização de Aviação Civil Internacional”. A Anac garante fazer “vigilância continuada” no setor. 


Duas grandes tragédias ainda sem punição
Parentes das vítimas de voos da TAM e da Gol temem pela impunidade e criticam Justiça

Apesar de as duas maiores tragédias da aviação brasileira terem ocorrido em 2006 (choque no ar entre um avião da Gol e um Legacy, causando a morte de 154 passageiros) e 2007 (avião da TAM saiu da pista ao aterrissar no Aeroporto de Congonhas, provocando a morte de 199 pessoas), nenhum dos acusados pelos acidentes foi condenado. Familiares das vítimas temem pela impunidade.

Dario Scott, que perdeu a filha no acidente da TAM, em julho de 2007, diz que a Justiça é lenta, mas espera que os culpados não fiquem impunes. A Justiça paulista ainda está ouvindo testemunhas. Nos dias 8 e 9 de agosto, foram ouvidas as testemunhas de acusação, e as de defesa estão previstas para os dias 11 e 12 de novembro. Somente em dezembro, nos dias 9 e 10, serão ouvidos os réus.

São acusados pelo acidente a ex-diretora da Anac, Denise Maria Ayres Abreu, e os ex-diretores da TAM Alberto Fajermann, então vice-presidente, e Marco Aurélio dos Santos Miranda e Castro, então diretor de segurança em voo da empresa. No início do processo, a polícia indiciou 13 pessoas pelo desastre, mas a Justiça só aceitou a denúncia contra os três.

— Finalmente, parece que a Justiça vai punir alguém no caso — disse Scott.

Roberto Gomes, que perdeu um irmão também no acidente da TAM, acha que o mais grave é que Congonhas continua operando sem segurança.

— Só fazem maquiagem nos aeroportos brasileiros, mas não melhoram a segurança dos voos — afirmou.

Rosane Gutjahr, que perdeu o marido no acidente da Gol, em setembro de 2006, está preocupada com a prescrição do crime. Para ela, o excesso de recursos impetrados pelos advogados dos pilotos americanos Joseph Lepore e Jan Paul Paladino, que comandavam o Legacy no momento do acidente, e o retorno deles ao Estados Unidos podem levar à impunidade. A dupla foi condenada, em segunda instância, a três anos, um mês e dez dias de prisão, mas o Ministério Público Federal, e os representantes das vítimas recorreram da decisão. Eles pedem ainda a cassação dos registros dos dois.

— Queremos que eles cumpram pena no Brasil e que tenham as licenças cassadas — disse Rosane.
 
Fonte: InfoAviação (por Marcello Borges)

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