O ano passado foi marcado por perdas para a aviação, mas a Gol tem ao
menos um bom motivo para comemorar. A companhia aérea transformou seu
programa de milhagem, o Smiles, que funcionava até 2012 como um
departamento, em um negócio bilionário. A empresa se tornou
independente, abriu o capital e hoje vale R$ 4,4 bilhões, cerca de 50%
mais do que a própria Gol.
O Smiles chegou à Gol como uma
herança da Varig, adquirida em 2007 por US$ 320 milhões. O programa foi
incorporado, mas a gestão de milhas era um negócio secundário dentro da
complexa estrutura de uma companhia aérea.
Com o lançamento da
Multiplus, que nasceu a partir do programa de fidelidade da TAM e abriu o
capital em 2010, a Gol começou a olhar com outros olhos para o Smiles.
Com estrutura enxuta, margens elevadas e uma alta geração de caixa, a
Multiplus logo virou a queridinha dos investidores.
A partir de
2011, a Gol iniciou uma série de análises de modelos de negócio para
alavancar o Smiles. Queríamos capturar o valor de um ativo que estava
escondido dentro da empresa, seguindo um exemplo de sucesso, que era a
Multiplus, disse o presidente da Gol, Paulo Kakinoff.
O plano
começou a sair do papel em janeiro do ano passado, quando o Smiles
nasceu oficialmente como empresa independente. De lá para cá, a nova
empresa acelerou na corrida para tentar aumentar sua participação no
lucrativo mercado de fidelização brasileiro.
O primeiro passo foi
escolher um presidente e preparar a companhia para fazer sua oferta
inicial de ações (IPO, na sigla em inglês). O escolhido para o cargo foi
o executivo Leonel Andrade, ex-presidente da Credicard, da financeira
Losango e diretor executivo da Visa no Brasil.
A opção por
um executivo com trajetória na indústria de cartões não foi à toa. A
maior parte do faturamento do Smiles, que somou R$ 1 bilhão em 2013, vem
dos bancos, que pagam à companhia cada vez que seus clientes trocam
pontos do cartão de crédito por milhas.
Andrade entrou no
Smiles em fevereiro, quando a empresa ainda estava incubada na sede da
Gol e tinha uma equipe de dez pessoas. De lá para cá, o Smiles ganhou
sede própria e hoje tem exatos 81 funcionários, muitos vindos da
Credicard.
Com a missão de inovar na indústria de
fidelização, eles já começaram a colocar no mercado suas invenções. Nos
últimos seis meses, o Smiles passou a vender milhas aos clientes, montou
um clube de assinaturas para acúmulo de pontos, liberou a transferência
de milhas entre os participantes e deixou que eles reativassem os
pontos vencidos - cobrando taxas.
A empresa também fez uma
série de promoções com bancos para dar bônus extra aos clientes. A
tentativa é convencer o dono do cartão de crédito a levar seus pontos
para o Smiles e não para a concorrência.
Essas ações fazem parte
da execução de um plano estratégico definido pela empresa em meados de
2013, com o auxílio do Boston Consulting Group (BCG). A estratégia é
ficar mais próximo dos bancos e melhorar a oferta de resgate com
empresas aéreas, disse Andrade. Podemos inovar na indústria de
fidelização.
Em seu primeiro ano como
empresa autônoma, o Smiles faturou R$ 1 bilhão e deu lucro de R$ 208
milhões. A ação da empresa acumula alta de quase 70% desde a abertura de
capital, em abril de 2013.
O Smiles estava dormente e sua
participação no mercado de fidelização é menor do que a da Gol no setor
aéreo. A empresa tende a crescer e a conquistar uma participação que é
dela naturalmente, disse o analista do Santander, Henrique Navarro.
Gol
e TAM encerraram o ano passado com uma participação no mercado
doméstico muito próxima - 37,3% e 37,8%, respectivamente, segundo dados
da Agência Nacional de Aviação Civil (Anac). Mas a Multiplus tem entre
20% e 25% mais participantes do que o Smiles e fatura o dobro do
concorrente.
O Smiles saiu atrás na corrida pelo mercado
de fidelização e agora tem o desafio de recuperar o tempo perdido. Mas,
para os analistas, há uma vantagem em ser o segundo. O Smiles aprendeu
com os erros da Multiplus, disse o analista do BB Investimentos, Carlos
Daltozo.
Antes de montar o negócio, a equipe da Gol conversou com
pelo menos 25 analistas de mercado sobre de que forma poderia aprimorar
o modelo da Multiplus. A resposta foi de que deveria ter mais cuidado
com a governança corporativa.
De olho nisso, o Smiles criou um
sistema que requer o aval de conselheiros independentes em todos os
contratos envolvendo as duas empresas. A companhia também estruturou seu
IPO com o comprometimento de que o fundo General Atlantic investiria R$
400 milhões na empresa - hoje ele é dono de 15% do Smiles. Ter um
grande acionista independente deixa o mercado mais confortável, disse
Navarro, do Santander. Se o mercado sente o cheiro de ingerência do
controlador na empresa, há um impacto na ação gigantesco.
Multiplus
A
sensação de que a TAM poderia usar a Multiplus como instrumento para
reforçar seu caixa azedou a relação da Multiplus com os investidores no
ano passado. A ação da empresa caiu mais de 40% no último ano e hoje já
vale menos do que o Smiles, apesar de ser líder e faturar o dobro.
A
empresa começou a perder valor em março, após anunciar uma operação de
aumento de capital, estimada em R$ 800 milhões. O dinheiro captado seria
direcionado para compra antecipada de passagens da TAM. O movimento
foi interpretado como ingerência do controlador (a TAM) na empresa. A
Multiplus tinha caixa e não tinha necessidade de fazer essa
capitalização, explicou Daltozo.
A oferta foi cancelada, mas a
confiança dos investidores ainda não foi recuperada. A saída do
presidente e do diretor financeiro da companhia reforçaram os temores de
que a empresa poderia retomar a operação. Procurada, a Multiplus não
quis dar entrevista. Ao dar autonomia para o Smiles, quem mais ganhou
foi a Gol. A empresa aérea ainda é controladora do Smiles e dona de 57%
de suas ações. Ou seja, seu pedaço vale R$ 2,5 bilhões. As informações
são do jornal.
Desafio
O desafio do Smiles é melhorar
as opções de resgate para os clientes. Aproximadamente 15,5% das milhas
do programa expiraram sem uso em 2013. Parte é descuido do consumidor,
mas outra parte reflete a dificuldade de alguns clientes em resgatar os
prêmios, uma queixa recorrente nas 5,6 mil reclamações contra o Smiles
no site Reclame Aqui.
Este é o ano de desenvolver novas
opções de resgate para os clientes, disse Leonel Andrade, presidente do
Smiles. A perda de milhas é receita de curto prazo, mas é cliente
perdido.
Apesar de oferecer outros prêmios, a passagem aérea é o
item mais desejado pelo cliente. Por isso, a intenção do Smiles é fechar
novas parcerias com companhias aéreas estrangeiras neste ano e criar
melhores oportunidades para trocas com a Gol.
Para afinar a
parceria, Andrade e o presidente da Gol, Paulo Kakinoff, criaram a
rotina de almoçar juntos às terças-feiras. Em um desses encontros,
Andrade apresentou a Kakinoff uma lista de destinos mais procurados
pelos clientes no Smiles, mas que não tinham conversão. A relação ajudou
a Gol a montar a malha de voos para a alta temporada e esses destinos
representaram quase metade da oferta adicionada.
Varejo
Diversas
empresas de fidelização, como Multiplus, Netpoints e Dotz, têm avançado
sobre o varejo para tentar vender seus pontos às empresas e oferecer os
produtos delas como opção de resgate.
A tarefa não é fácil,
disse Marcelo Bicudo, sócio da consultoria Epigram, especializada em
varejo. O consumidor já percebeu que sai mais caro trocar milhas por
produtos e prefere as passagens. As empresas terão de revisar essa
métrica.
A estratégia do Smiles é fechar apenas acordos com
varejistas âncoras, como lojas de departamento ou supermercados, mas não
entrar na corrida pelo varejo. Seria uma perda de foco, disse
Andrade.
A opção do Smiles foi participar desse movimento
indiretamente, com a compra de 25% da Netpoints no ano passado, um
programa focado no setor. As duas empresas vão criar um sistema
conversível, que permitirá que o cliente de um programa resgate prêmios
no outro.
O avanço no varejo, no entanto, não é a única saída do
Smiles para criar opções de resgate. Dá para inovar, disse Andrade. Um
exemplo é a parceria do Smiles com o cantor Roberto Carlos, anunciada
ontem. Os clientes poderão comprar os ingressos dos shows do cantor
antes de eles serem oferecidos na bilheteria e pagar com milhas. A ação
lembra as promoções feitas pela indústria de cartão de crédito para a
alta renda e dá uma ideia do que vem pela frente no setor de milhagem.
As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.
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