SÃO PAULO - Seis aviões de pequeno porte passam por manutenção no
aeroporto de Jundiaí, cidade próxima a São Paulo, quando a empresária
Mayuli Lurbe Fonseca, de 35 anos, chega dirigindo sua Mercedes Benz.
De
óculos escuros, ela consulta emails no celular (estampado com logotipo
da Louis Vuitton) enquanto aguarda as primeiras orientações sobre o
curso que está prestes a torná-la piloto de avião. Bem-sucedida à frente
de uma empresa que administra hospitais no Brasil e em Angola, Mayuli
vai desembolsar R$ 65 mil por 60 horas de voo. Para fugir dos
aeroportos, "que mais parecem rodoviárias", está disposta a dividir, com
um sócio, cerca de US$ 500 mil (R$ 990 mil) necessários para comprar um
avião de pequeno porte. Servirá para cumprir a agenda profissional
apertada, para os dias em que acorda em São Paulo, visita o Tocantins e
dorme em Minas Gerais.
— O que eu vou gastar com o avião é quase o
que eu paguei pelo meu carro — justifica a empresária.
Assim como
Mayuli, profissionais de diferentes áreas passaram, nos últimos anos, a
considerar a aquisição de um avião para chamar de seu. Ajudaram a
impulsionar, assim, um mercado de luxo que tem se mostrado cada vez mais
"acessível" — ao menos, para uma certa parcela da população.
Mayuli
faz parte desse grupo que, que em vez de quebrar o cofrinho de R$ 10
milhões para comprar um jato particular, gasta dez vezes menos na
aquisição de um monomotor com sistema de última geração. Um Cirrus zero
quilômetro, de quatro lugares — aviãozinho-fetiche entre os modelos mais
em conta —, sai, no máximo, por US$ 800 mil (R$ 1,5 milhão).
Nos
últimos quatro anos, o número de aeronaves particulares saltou 32% no
país. Passou de 6.472, em 2007, para 8.542, em 2011, segundo dados da
Agência Nacional de Aviação Civil (Anac).
— Cada vez mais
profissionais liberais estão comprando o seu próprio avião para
trabalhar ou se divertir. São pessoas de diferentes áreas que precisam
estar em vários lugares e não têm tempo a perder — diz José Eduardo de
Faria.
Faria é sócio da Air Trainning, empresa especializada em
formar pilotos desses novos aviões que viraram febre entre os mais
endinheirados.
Ex-ministro da Secretaria de Comunicação do governo
Fernando Henrique Cardoso, Bob Vieira da Costa é dono de um Cirrus (que
logo será substituído por outro, com capacidade para mais passageiros).
Ele o compara a uma BMW, pela modernidade do maquinário.
— Quer
coisa melhor do que fazer uma viagem sem precisar contar com os
problemas dos aeroportos? — pergunta Bob, que enfrenta meia hora de
estrada de São Paulo, onde mora, até chegar ao hangar em que a aeronave
fica guardada.
Desde que decidiu tirar a licença de piloto — ele
agora se prepara para o curso de voo por instrumento —, Bob aproveita os
finais de semana para aumentar o banco de horas de voo. Ultimamente,
costuma aterrissar na Bahia, onde tem uma casa de praia, para passar
mais tempo com a família. Semanas atrás, fez, com a mulher, um passeio
panorâmico sobre o Rio de Janeiro. Ela o acompanha, no ar, desde seus
primeiros passos.
Assim como ele, o obstetra Júlio Bernardi não
resistiu à ideia de pilotar seu próprio avião. A ideia surgiu durante um
encontro de motoqueiros do qual faz parte. Lá, descobriu que, como ele,
havia outras pessoas interessadas em ter um avião para uso pessoal.
Depois de muita pesquisa, comprou um Cirrus modelo 2010, que divide com
outro médico.
Nos finais de semana, Júlio se dá ao luxo de
conhecer restaurantes país afora. Beirando os cem quilos, glutão
inveterado, ele lembra que já fez bate e volta ao bairro de Santa
Felicidade, em Curitiba. Também visitou restaurantes de alta gastronomia
em Minas Gerais, no Rio e na Bahia — sempre de avião e, na maioria das
vezes, estando de volta em casa, de noite.
A bordo de uma
motocicleta Gold Wing, daquelas que custam mais de R$ 100 mil — e com a
qual já percorreu a famosa Rota 66, nos Estados Unidos —, o médico
chegou animado para a entrevista. Estacionou a moto em frente ao portão,
seguiu até o hangar, fez a checagem básica nas peças do avião e partiu
para mais uma experiência gourmet. A Revista O GLOBO acompanhou a viagem
de 40 minutos até Ubatuba, para almoço num restaurante de comida
contemporânea. (O médico escolheu um linguado).
— Lembro que
quando eu tinha 15 anos, meu irmão mais velho ganhou num sorteio a
chance de voar, mas não quis ir. Eu fui no lugar dele e, desde então, me
apaixonei por aviões — contou Júlio, que está feliz por passar mais
horas no ar do que preso no trânsito de São Paulo, onde mora. — Tenho
evitado andar de carro, prefiro ir a pé para o trabalho. Mas é só chegar
perto do final de semana que eu escolho um bom passeio com o avião.
A
demanda por pequenos aviões tem feito crescer a procura por cursos de
pilotagem. De acordo com um levantamento da Anac, em 2011, 1.926 pessoas
tiraram licença de piloto privado. É mais do que o dobro do que ocorria
cinco anos antes.
— Nós já dobramos o número de alunos por turma —
diz José Eduardo de Faria, da Air Trainning, onde atualmente estão
matriculadas 25 pessoas, entre elas Mayuli.
Divorciada, a
empresária lembra que, antes de decidir virar piloto e ter seu próprio
avião, comunicou a ideia à mãe, que respondeu de forma lacônica, com um
simplório "o.k., tudo bem". Destemida, ela diz que não tem medo algum de
voar — e nem de pilotar o próprio avião:
— É muito mais perigoso
enfrentar as estradas brasileiras. Hoje mesmo tenho que sair correndo
para pegar um avião e voar para Palmas. Muitas vezes, ainda tenho que
dirigir quatro horas até uma cidade no interior de Tocantins. Mas é
assim que tem que ser. O mundo hoje não permite perda de tempo.
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